sexta-feira, 6 de julho de 2007

Ela chegou atrasada, bem atrasada. Pontualidade era a menor de suas virtudes.A aula já beirava o seu fim.Abriu a porta sorrateiramente e com cuidados atravessou a sala desviando de mochilas e pernas desleixadas pelo caminho.
Sentou-se numa ilha de carteiras, a três mesas distantes do colega da frente, duas mesas a separava da menina do fichário rosa ao lado esquerdo e atrás dela parecia não haver ninguém. E se houvesse, nem notara.
Já com os olhos embaçados, pegou o caderno e uma lapiseira no bolso da frente da mochila, abriu o caderno, marcou uma pagina com a lapiseira e fixou olhares distraídos para o vazio de um canto da sala.
A primeira lágrima rolou enquanto o professor discursava sobre ciclo de Krebs. Lágrimas...Traidoras inconscientes dos segredos da alma.Não faz mal, ninguém havia notado.
A segunda lágrima escorreu sobre o seu rosto no momento que o professor tirava a dúvida de um menino alto sentado na frente. O que ele havia perguntado ela não saberia dizer. Estava fechada em suas lamúrias.
A terceira descera enquanto a turma se dispersava, nesse momento ouvia-se tudo, ouvia-se nada. Ela sentada isolada numa sala com sessenta alunos.E só, sessenta alunos ao seu redor realçando sua solidão.
A quarta pingou sobre o seu caderno, manchando um rabisco que ela havia feito num sem tempo. Passou o dedo procurando secar a gota em vão, colocou a franja de seu cabelo ruivo solta na testa atrás de sua orelha, fez outro rabisco qualquer no canto do caderno.
A quinta lágrima desceu preguiçosamente, caminhou sobre a sua bochecha, fez trilha em suas sardas, inovou trajetos. Continuou pendurada na maçã de sua face esquerda até ela olhar pra baixo, focalizou o nada antes de erguer a cabeça e ouvir por alto o que o professor comentava sobre a ação dos hormônios da tireóide no metabolismo do homem serrano.
A sexta lágrima escorreu com um pouco mais de violência, ardência nos olhos (ainda preso num ponto perto do nada na parede branca), comichão no nariz o rosto inchando.
A sétima lágrima foi a derradeira, teimou a largar a fossa lacrimal, mas quando resolveu migrar pra fora do corpo serviu de seta que esse instante era o instante de arrumar o material e partir.Não ficou mais que vinte minutos em sala.
Assim que saiu de sala, esbarrou com uma colega de outro estado no corredor surpreendida com sua cara amassada:
-Tá tudo bem?
-Agora sim...
e sorriu.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

A noite já caiu faz tempo.Aconteceu num bar da Lapa,da Cinelândia ou de Vila Isabel.Um homem sentado no balcão com um copo de cachaça na mão,olhava para o copo,olhava triste.Do outro lado do balcão estava um outro homem,um homem maduro,aparentava ter cultura.
O primeiro usava uma camisa social branca,tinha a pele enrugada e era careca,o segundo usava terno,tinha cabelo penteado e carregava uma pasta de couro.
Um bebia cachaça,o outro whisky.
O da cachaça de olhar melancólico,mirava seu copo de cabeça baixa,o de whisky reparava a tristeza do outro ,não parava de se perguntar sobre o que haveria acontecido com aquele homem careca para se estar com esse jeito angustiado,melancólico.Sentia solidão em seu rosto,seus movimentos eram retraídos,o gosto de choro preso na garganta.
Movimentos rodeando a cadeira do homem careca,gargalhas soltas,cervejas pedidas samba no rádio.Nada afastava a sua melancolia.De repente uma lágrima desce rolando sobre a sua face.Bar cheio,ninguém percebe..Menos ele,o homem de terno do outro lado do balcão.Tendo compaixão como motor de seu ato,ele se levanta pega o seu copo de whisky,coloca a pasta de couro debaixo do braço e senta-se ao lado do angustiado ser.Nem o percebe,não vira o rosto.Não se fala nada,ficam os dois bebendo as suas respectivas bebidas.Um vendedor de amendoim entra no boteco oferecendo seu produto.O senhor de pasta de couro compra três embrulhos de amendoim,pega um e oferece ao senhor de camiseta branca ao lado.Sem tirar os olhos do copo,ele educadamente rejeita.Intrigado com a tristeza do homem careca,intrigado com a sua face que destoa com a dos outros habitantes daquele bar,o homem de terno procura puxar uma conversa.
Os dois trocam algumas palavras,o homem de terno apesar de sério,é doce,enquanto o careca conciso em suas respostas,talvez por medo.Soa como um grito abafado,uma voz quase sussurrada,raramente olha nos olhos do outro,concentra-se sempre em seu copo,quase vazio.
“Aceita uma dose de whisky?” pergunta o senhor de cabelo penteado.É respondido com um pobre gesto de sim com a cabeça,sem nada falar,sem olhá-lo.
Duas doses de whisky servidas em copos separados em cima do balcão.Álcool subindo pela mente,receita para um diálogo fluir.O careca ainda retraído começa a confessar suas lamúrias,o homem de terno tudo ouve atencioso.Solidão,angústia,baixo-estima,carência fora alguns dos sentimentos revelados.Outra gota de lágrima,desce sobre o rosto e cai em cima da mesa do balcão.Pela primeira vez, o senhor careca vira-se para o colega de balcão,olha em seus olhos e diz: “Morrer.É a única solução.” Voltando os olhos para o copo.
Assustado o senhor de terno,procura persuadi-lo .Utilizou alguns argumentos,mas o principal foi: “Você gosta de circo?”
-Gosto.Responde o senhor careca..
“Antes de pensar nisso novamente,vá ao circo da praça quinze,lá tem o palhaço Fiquerinha ,se ele não te fizer rir,mais nada falo”
-Vou fazer isso.
Toma o seu gole,seu ultimo gole,se levanta,agradece ao homem de terno pela bebida e se despede.O homem de cabelo penteado o chama quando ele já está saindo do bar
“Desculpa,mas qual é o seu nome mesmo?”
-Figuerinha,palhaço Figuerinha.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

...

Abrindo portas...
...pode entrar...