terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Mímica

A turma tá animada numa noite de sábado a noite. Sair? Pra que se a boa diversão mesmo é em casa onde todos podem beber á vontade sem se preocupar com a lei seca, longe da multidão e do caos urbano. A turma gosta de se divertir, mas sem correr o perigo de cruzar com batedores de carteira pelo meio do caminho ou com a brutalidade dos pitboys em sua filosofia neandertal.
Decidem ficar na casa da Júlia que é mais espaçosa, além de ela morar sozinha e os vizinhos serem de boa.
Escolhem brincar de adivinhação, sabe aquele jogo com mímicas? Então, ganha quem acertar mais qual mímica o colega tá fazendo. Na regra deles, é cada um por si contra todos, assim tudo fica mais ameno, a competição mais saudável sem aquela rivalidade. Todos curtem mais a noite sem o risco de ninguém se exaltar.
Essa galera é do barato mesmo. Todos gargalham com maior facilidade, o riso corre solto além de nunca se ter visto tamanha cordialidade e gentlieza por metro quadrado.
Agora é a vez do Guilherme jogar:
-Vai lá, Guilherme!
-Ih, fudeu o Guilherme aparaceu ôôôôi- canta Ricardo já colocando a mão na boca.
Guilherme é um gordinho simpático, carismático pelo seu estilo tímido-sorridente, de longe o mais querido, uma espécie de xodó, entende?
Ele enche a mão com os salgadinhos de um pote, só pra ele, no encosto esquerdo do sofá cinza situado no canto da sala. E vai pro centro num impulso só. Nesse momento, acaba que um dos biscoitos entra atravessado, fechando sua glote, entupindo a passagem de ar pela laringe. Guilherme tenta tossir, mas não consegue. Põe as mãos no pescoço, esses movimentos parecem indicar que ele já começou a jogar...
Um chuta "É um filme?", outro grita "Quantas palavras?" Enquanto isso, Guilherme bate com força no próprio peito.
-Faz outro gesto, cara! Assim tá dificil!
-Acho que é um filme com o nome dele, existiu algum Rei Guilherme? Já sei! "Anjo Guilherme"!! exclama já comemorando Rebeca.
-Não?-Rebeca senta-se, de novo.
Nessa hora, ele se ajoelha vermelho colocando a mão no joelho de uma menina.
-Ihhh, olha o Guí dando em cima da Clarisse! Xaveca ela depois, pô! Manda mais uma dica!!!
Ele reuni forças e num esforço colossal, clama numa voz sussurrante:
-Água, água...
-Shhhh, não pode falar, não pode falar!!
Guilherme deita no chão, completamente rubro:
- A orca assassina!!
-Tubarão!!
Ele se vira no chão e começa a bater no chão...
-Quem nadava mesmo? Free Willy!!
-Não? Então Free Willy 2!!
-Ahh...desisto!! Também acabou o tempo...o que era Guilherme?
-Anda, cara, fala logo qual era o filme!
-É fala aí, tô curioso...
-Ei, pode sair do personagem já. Acabou o tempo, você mandou bem...
Nesse momento, todos se entreolham e chegam a uma conclusão chocante:
Ele era um puta ator e desperdiçou o tempo preferindo computação a artes cênicas.
-Gui...
-Guilherme?
-Guilherme!!!
Fabrício vai pegar o papel da mão dele pra saber o filme já que ele não revelava de jeito nenhum e percebe o quanto ele tá frio. Confere o pulso. Nulo.Chama a ambulância, mas quando chega já é tarde demais.
O nome do filme era "Além da vida", mas ninguém acertaria. Eles eram péssimos nesse jogo.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

E agora, ódio meu?

Eu te odiei tanto nessa vida que, como toda emoção, uma hora o sentimento acaba. E o que fica é uma melancolia e tão batida sensação de amor que chega a ser clichê, eu sei, Definitivamente, não foi a primeira opção, mas foi a que ficou. E agora?
Posso aceitar meu coração corrompido, tantas coisas minhas já foram perdidas ao meio do caminho e mesmo assim segui vivendo.
De um lado tem a minha parte do que é mais puramente meu: meu coração, minha alma, minha razão. E desse fragmento, farei dele o que puder. A outra metade seria sua, mas na sua ausência, vou preencher com álcool. Sempre funcionou assim, por que não agora?
De repente, foi aí que surgiu o "meia-bomba". Depois que você fechou a porta pela última vez, meu coração nunca mais bobeou por inteiro. Afinal, sou metade sangue, metade rivotril. Tudo bem, tantas pessoas são semi-felizes, porque não eu? Minha idade já não permite nada muito intenso.
Ainda guardo aquele conhaque que você me deu na esperança de sugarmos em duo a última gota desse drink tão fuleiro.
Como disse, já não tenho mais a idade das paixões avassaladoras. Aceito o conformismo, um bate-papo informal,um cinema, um teatro, talvez até um botequim recheado de olhares, cercado de flertes... E entre pernas, vou me perdendo mais de você. De mim? Talvez. Nunca fui tão eu enquanto estive com você, pena que não percebi a tempo. E agora? Rio sem graça, já nem sei mais quem sou, em que estrada me perdi, qual foi a curva que derrapei.
Não importa. A gente vai vivendo. Vou levando.
As pessoas só choram porque tem lágrimas. Eu não choro. As minhas secaram com o tempo.
Mas não tenha pena de mim. A vida é assim, a felicidade não é um bem distribuído as mãos cheias para todos.
 E também não acredito que seja merecimento. Quem mereceria? O que fica não foi o que vivemos. Fica uma algo qualquer, uma ponta, um caco. Mensagem na garrafa largada ao "Deus dará" Sempre valorizei a sua ausência! É que nessa espera, entre a hora marcada e a hora que não chegaria nunca, imaginava coisas que jamais aconteceriam, mas que eram tão prováveis... Você nunca teve algo que pudesse pegar, tão perto, tão próximo? e foi deixando... deixando... Tudo que odeio me faz falta! Vivo de pequenos incômodos, uma dor aqui, outra ali... Poderíamos chamar de pequenas atualizações da realidade, ou quem sabe de pequenos pregos... Lembrei da tarde que você foi embora. Era terça de carnaval, caía uma chuva fina, e no seu rosto vi uma semana perdida. Não existe nada de especial ali! A não ser o fato de você não ser especial. É que quando a gente vai cansando de títulos, provas, provas e títulos, a única coisa que resta é carne, por um período, ossos, cabelos e dentes. Tudo é! E tudo que é, as mãos reconhecem. Entre um gole e outro, uma hora e outra, um passo e um pulo, o riso e a mordida, a raiva e o colo, espero, deixo, puxo, empurro, corro, mordo... Essa vontade de deixar marcas, e seguir rastros e amolar facas.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Cinquenta maços de cigarro

Domingo, posto 7, praia lotada, mar de guarda-sóis, dois homens de frente pro mar, habitando 40 tantos ou 50 poucos proseiam enquanto seguram sua lata de cerveja já quente que sustentam uma bela pança, cultivado por anos de degustação em biroscas e botequins, de marca que não vale a pena mencionar pois não ganho nada com isso:

-Se meu filho vier a ser gay, vou fazer com ele igual ao que o meu avô fez comigo quando me viu fumando cigarro aos 15 anos.
-E o que ele fez?
-Me deu 50 maços de cigarro pra fumar na frente dele. Tudo ali ó, na mesma hora, sem pestanejar.
-Não entendi, você vai dar cigarro pro seu filho fumar se ele for veado?
-Por que não? Funcionou comigo. Depois daquele dia, não me atrevi a botar uma bituca de cigarro na boca.
-Mas não faz sentido, uma coisa não tem nada a ver com a outra.
-O que você sugere então, Odylon? Que eu contrate 10 negões pra dar uma curra nele?
-Não é bem isso, mas...
-...Até que faz sentido, tá aí, vou contratar 10 negões pra currar ele. Assim ele vai ficar com tanta repulsa de homem como eu fiquei de cigarro.
-Tá maluco, Fernando?! E a saúde dele?
-Pode deixar, vai ser tudo de pau pequeno, não vai machucar ele tanto assim...
-Pode deixa-lo frustrado-brinca Vanderley.
-Eu sei, funcionou comigo.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Calendário

Às vezes você tem a sensação que está sentado bem no meio do tapete da sua sala, teclando no seu celular ou laptop com a janela aberta e vem um vento forte, bate e arranca as páginas de um calendário que fica  preso a parede? Daí você saí e percebe que esse vento te arrancou 365 páginas.
Nesse momento, você se dá conta que não foi o vento que te arrancou um ano de páginas, foi você que ficou sentado por um ano.
E as folhas continuam voando, e vão continuar voando...
Salvo um dia ou outro, conseguimos segurar alguma folha e guardar no bolso (como se guarda o retrato de um filho na carteira, ou um documento tão importante quanto a nossa identidade), na esperança de revivê-lo, mostrar aos filhos, netos ou apenas olhar com carinho em algum dia muito pesado.
Na ansiedade em ver as páginas voando, saindo de nosso controle, e diante a nossa impotência, saímos, bebemos, fugimos.Mas elas continuam voando pela janela, as vezes em maior intensidade, as vezes em menor intensidade, depende do vento, de teu vento.
No início, o bloco de folhas é grande, um maço enorme, então perder algumas não faz diferença, pouco faz falta...
Mas cada vez mais, o bloco vai afinando, estreitando, ficando pequeno, e logo, aquelas folhas que voaram pela janela vão te fazendo falta.
Desesperadamente, você inspira, pega um impulso e ganha a rua, buscando resgatar, ao máximo, o quanto de folhas em seus braços caberem. Mas agora já é tarde...e quando vai notar, o bloco acabou.